A Ark de Bucara (em usbeque: Buxoro arki) é uma cidadela cuja origem remonta pelo menos século VII d.C. em Bucara, no Usbequistão. É a edificação mais antiga da cidade, tão antiga como a própria cidade. Além de ser uma fortaleza militar, é também uma pequena cidade palaciana que ao longo da história foi a sede de várias cortes reais que existiram em Bucara e na região em volta. Foi usada como fortaleza até ser tomada pelos soviéticos em 1920 e atualmente é uma atração turística onde há vários museus que mostram a sua história, da cidade e da região.[1]

Ark de Bucara
Buxoro arki
Ark de Bucara
Flanco sul da muralha da Ark
Informações gerais
Tipo Cidadela
Início da construção c. século V d.C.
Altura 20 metro
Património Mundial
Ano 1993 [♦]
Referência 602 en fr es
Geografia
País Usbequistão
Cidade Bucara
Coordenadas 39° 46′ 40″ N, 64° 24′ 39″ L
Mapa
Localização em mapa dinâmico
Notas:
[♦] ^ Parte do sítio do Património Mundial "Centro histórico de Bucara"
Entrada principal (porta ocidental) da Ark

A cidadela encontra-se no interior do centro histórico de Bucara, o qual é rodeado por uma muralha de adobe com várias fortificações. Atualmente ocupa a parte norte da cidade antiga, mas originalmente foi uma fortaleza construída fora do shahristan (centro da cidade) original. Devido a ter sido usada continuamente ao longo de pelo menos doze séculos, nela podem-se observar alguns aspetos da evolução da arquitetura militar da Ásia Central desde os primeiros tempos da era islâmica, no século VIII, até ao final do Império Russo.[2]

História

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Não se sabe ao certo quando foi construída a primeira fortaleza ou cidadela antecessora da que existe atualmente. Parece certo que foi na Antiguidade[3] e segundo algumas fontes haverá vestígios arqueológicos da existência duma cidadela no local da atual no século IV a.C. A colina com cerca de 20 metros de altura onde se encontra é artificial e foi formada pelas sucessivas reconstruções ao longo dos séculos.[4] Segundo alguns autores, a menção histórica mais antiga, de fontes locais, fala numa fortaleza construída no século VII d.C. pelo Bukhar Khudat (rei) Bidun, que se desmoronou pouco depois e foi reconstruída, seguindo os conselhos de adivinhos, para imitar a forma da "constelação do Grande Urso".[3] Segundo outros, há fontes sassânidas (séculos III a VII) e soguedianas (séculos III a VIII) que atestam a existência da fortaleza no século VII.[2]

Desde essa altura que a cidadela tem a si associadas histórias lendárias. Segundo Maomé ibne Jafar Narshakhi, o historiador de Bucara da primeira metade do século X, a Ark teria sido construída pelo príncipe lendário persa Siauascis (Siyâvash),[2] que segundo a lenda está sepultado onde antigamente existia a Porta Kalon, junto à Mesquita Juma (ou Kalyan ou Kalon).[3] No épico persa Šāhnāme ("Épica dos Reis"), de Ferdusi, cerca de meio século depois, o fundador da cidadela é Shiri-Kishvar, um vassalo do grão-cã goturco do final do século VI Kara-Çürin (Tardu).[2] No museu da Ark conserva-se um chicote que teria pertencido ao herói lendário persa Rustã, outro herói do Šāhnāme.[1]

Em 713, Cutaiba ibne Muslim, o governador da província omíada de Coração que conquistou a Transoxiana, mandou construir[2] a primeira mesquita de Bucara, sobre as ruínas dum templo zoroastrista[3] e deu à fortaleza o nome de Kukhendiz.[2] Entre os séculos IX e XII, a cidadela foi reforçada com vários reparos pelos samânidas e pelos caracânidas. O emir samânida Ismail Samani (r. 892–907), que embelezou Bucara, que tornou a sua capital, fez várias adições significativas a cidadela. Arslano Cã (r. 1102–1129) adicionou várias secções, como parte das ambiciosas campanhas de construção empreendidas pelos carcânidas.[2] Os caraquitais e os corásmios destruíram-na e reconstruíram-na três vezes. Em 1220 foi completamente arrasada pelos mongóis,[3] mas no mesmo ano o governador mongol de Bucara Mahmud Yalavach ordenou a reconstrução. O imperador timúrida Ulugue Begue (r. 1447–1449) e o xaibânida Abedalá Cã II (r. 1583–1598) foram responsáveis pela expansão da área da cidadela para três hectares.[2]

A cidadela começou a tomar a forma atual no século XVI, durante o período xaibânida, e praticamente todos os edifícios atualmente existentes são dos séculos XVIII a XX. Foi no século XVI que a cidadela deixou de ser apenas uma fortaleza e residência real para passar a alojar a generalidade dos edifícios governamentais, onde chegaram a residir mais de 3 000 pessoas e se situava, além do palácio real, com salas do trono, de audiências e de receção, o harém, aposentos residenciais e habitações dos escravos, residências de funcionários, casa da moeda, tesouro e outras instalações governamentais, masmorras e uma mesquita.[3] Os cãs jânidas Abdulazize (r. 1645–1680) e Ubaide Alá (r. 1702–1711) levaram a cabo reconstruções radicais. No início houve uma nova reconstrução, quando também foi reforçada a parte ocidental das muralhas.[2]

Em setembro de 1920, quando o Exército Vermelho soviético tomou Bucara e extinguiu definitivamente o Emirado de Bucara, cerca de 80% da Ark foi destruída, devido a um grande fogo, que segundo alguns foi posto pelos soviéticos, segundo outros, por ordem do emir Maomé Alim Cã quando fugiu.[5] O fogo destruiu a totalidade das construções em madeira.[4] Desde então pouco mudou.[2]

A maior parte da cidadela é, desde 1920, um espaço praticamente vazio, com ruínas que aguardam ser escavadas. Os esforços de preservação concentraram-se nas áreas mais visíveis ou públicas, nunca tendo havido uma estratégia de conservação abrangente. As fundações de barro da cidadela apresentam sinais de erosão nos lados norte e ocidental, onde as muralhas se têm vindo a desmoronar.[2]

Descrição

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A cidadela ergue-se numa colina artificial, que se acredita ser resultante das diversas camadas de entulho das construções anteriores. É rodeada por uma muralha de adobe com ameias, inclinadas para o interior. Cinco baluartes circulares e salientes dão uma proteção adicional. No interior, a rua principal, orientada na direção leste-oeste, constitui o eixo da cidadela, que liga a Bab as-Sahl (Porta Ocidental) à Bab al Djum (Porta Oriental), também chamada Darvaza Guriyan ou Porta do Vendedor de Feno. Este última porta, atualmente fechada, dava acesso à Mesquita Juma, situada fora da cidadela. As restantes construções históricas estão agrupadas no bairro noroeste da cidadela, perto do portal ocidental principal.[2]

 
Sala do trono
 
Mesquita da corte

A Porta Ocidental atual foi construída em 1742 pelo persa afexárida Nader Xá. É flanqueada por duas torres-baluarte ligadas por uma varanda com janelas com pórticos por cima do portal. Por cima do portal está aquilo que até ao final do século XIX foi o único relógio mecânico do mundo com números em árabe. O relógio foi construído em 1851 por Giovanni Orlandi um relojoeiro italiano cativo que para salvar a sua vida construiu o relógio e um telescópio para o emir Nasrulá Cã, que adorava gadgets.[nt 1] Até 1920, ao lado de relógio estavam expostos um enorme chicote khamcha de seis cordas, símbolo do poder punitivo do emir, e uma cimitarra valiosa.[5] A porta é acessível por uma rampa íngreme, que no passado serviu como naqqar khana (coreto) e como varanda cerimonial sobre a Praça Registan. Após a rampa há um dalon (corredor) coberto e estreito que sobre até ao terreiro principal da cidadela. O corredor é tem piso em pedra e é flanqueado por doze ob khanas (nichos de celas de prisão). O complexo superior inclui a mesquita da corte, instalações administrativas, armazéns, tanques de água, casa do tesouro, chancelaria do emir, salão de receções ceremoniais e aposentos privados. Os diversos edifícios estão organizados hierarquicamente em redor de pátios com arcadas. O status social do visitante e a proximidade com o emir determinavam as rotas de circulação e os níveis de acesso individuais.[2]

No interior dos edifícios que sobreviveram ainda se podem observar fragmentos de decoração, nomeadamente madeiras pintadas, molduras de estuque e bases de mármore esculpidas de forma elaborada. Em alguns dos edifícios melhor preservados, como a mesquita da corte, ainda há vestígios de gesso pintado e de papel machê dourado. A mesquita foi construída no século XVII por Subhan Quli Khan (r. 1680–1702) e consiste numa sala de orações rodeada por uma colunata em três lados.[2] Ao lado da mesquita ficam os antigos aposentos do kushbegi (primeiro-ministro do emir), onde os embaixadores estrangeiros eram recebidos. Atualmente estão ali expostas peças dos sítios arqueológicos de Paikend, Varakhsha e Romitan, em tempos entrepostos importantes da Rota da Seda.[1]

Outro dos edifícios sobreviventes que se destaca é o antigo palácio real (dos emires de Bucara). Este tem um amplo salão de receções, o kurnish khana, onde também eram realizadas as cerimónias de coroação dos emires; a última coroação, de Alim Cã, teve ali lugar em 1910.[1] O salão foi construído em 1605-1606 e tem colunas de madeira primorosamente esculpidas que encimam um trono de mármore e um dossel.[2] Ao lado de uma das paredes do salão há um câmara subterrânea onde estava o tesouro e a casa da moeda. Junto ao salão situavam-se também as cavalariças reais, o harém e o noghorahona, uma sala para tambores e outros instrumentos musicais usados nos espetáculos públicos realizados na praça que se encontra abaixo.[1] O harém, cujas paredes foram decoradas com molduras douradas e pequenos motivos florais policromados, foi severamente danificado durante os combates entre as tropas bolcheviques e do emirado em 1920.[2]

Em volta do Salamhona (salão de protocolo) encontram-se o que resta dos apartamentos reais. Aparentemente, estes ficaram de tal forma arruinados que os últimos emires preferiram habitar permanentemente o palácio de verão. As peças museológicas em exposição ilustram a história desde os xaibânidas até aos czares russos. A coleção de peças inclui um grande chicote que supostamente pertenceu ao herói lendário persa Rustã, o cadeado que era usado nos portões da Ark, uma caixa usada para fazer petições ao emir, o trono do emir e os retratos dos oficiais britânicos Charles Stoddart e Arthur Conolly, executados em 1842 na Praça Registan, em frente à fortaleza, acusados de espionagem.[1]

Notas

  1. Giovanni Orlandi vivia em Teerão em 1839 e há pelo menos duas versões para ter ido parar a Bucara como cativo. Uma é que foi capturado em Cocande pelo emir Nasrulá Cã; a outra é que foi capturado em Oremburgo por um bando de negociantes de escravos turcomanos. O emir tinha a intenção de o mandar matar, mas foi poupado na condição de fazer uma "máquina para medir tempo". Após o relógio ficar concluído foi libertado e nomeado artesão da corte. Mais tarde construiu também um telescópio para o emir, mas um dia este caiu do alto dum minarete. Quando as tropas do emir foram à procurar de Orlandi e encontraram-no bêbado com um amigo arménio e foi ordenaram-lhe que se convertesse ao islão, o que ele recusou. Para o tentarem demover, esfolaram-lhe a pele do pescoço, mas no dia seguinte foi executado.[5][6]

Referências

  1. a b c d e f «Ark» (em inglês). www.lonelyplanet.com. Consultado em 7 de dezembro de 2020 
  2. a b c d e f g h i j k l m n o p «Buxoro Arki». archnet.org (em inglês). ArchNet: Islamic Architecture Community. Consultado em 7 de dezembro de 2020 
  3. a b c d e f MacLeod, Calum; Mayhew, Bradley (2017), Uzbekistan – The Golden Road to Samarkand, ISBN 978-962-217-837-3 (em inglês) 8.ª ed. , Hong Kong: Odyssey Books & Maps, p. 258 
  4. a b «Bukhara: Ark Fortress, the symbol of the state power» (em inglês). www.advantour.com. Consultado em 7 de dezembro de 2020 
  5. a b c MacLeod & Calum 2017, p. 260.
  6. Howorth, Henry Hoyle (1880), «Part II division II — The so-called tartars of Russia and Central Asia», History of the Mongols, from the 9th to the 19th Century (em inglês), Londres: Longmans, Green and Co, pp. 807–808, consultado em 8 de dezembro de 2020 
 
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