Batalha da Porta de Trajano

A Batalha da Porta de Trajano (em búlgaro: Битката при Траянови Врата; em grego: Μάχη στις Πύλες του Τραϊανού) foi travada entre forças bizantinas e búlgaras no ano de 986. Ela se deu no passo de mesmo nome, na Província de Sófia, Bulgária. Foi a maior derrota dos bizantinos durante o reinado do imperador Basílio II Bulgaróctono.

Batalha da Porta de Trajano
Guerras bizantino-búlgaras

Diagrama da Batalha da Porta de Trajano
Data 17 de agosto de 986
Local Passo da Porta de Trajano, Bulgária
Desfecho Vitória decisiva búlgara
Beligerantes
Primeiro Império Búlgaro Império Búlgaro Império Bizantino
Comandantes
Primeiro Império Búlgaro Samuel da Bulgária Império Bizantino Basílio II Bulgaróctono
Forças
Desconhecida 30 000[1]
Baixas
Leves Pesadas

Depois de um cerco fracassado à Sérdica (Sófia), Basílio e seu exército recuaram para a Trácia, mas foram cercados pelo exército búlgaro comandado por Samuel nas montanhas de Sredna Gora. O exército bizantino foi aniquilado e o próprio Basílio quase não conseguiu escapar.

Quinze anos depois da queda da capital búlgara, Preslava, a vitória nas Porta de Trajano ampliou os sucessos conquistados desde 976. Posteriormente, o tsar Samuel moveu sua capital de Preslava, no nordeste, para Ácrida, no sudoeste. A memória da grande vitória sobre Basílio II se preservou trinta anos depois na inscrição de Bitola de João Vladislau (r. 1015–1018), o filho de Aarão.

Fontes históricas

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Além da inscrição de Bitola, onde a vitória de Samuel, o comandante búlgaro, é mencionada de forma sumarizada,[2] diversos historiadores medievais escreveram seus relatos sobre a batalha. Entre eles, Leão, o Diácono, que foi uma testemunha ocular e participou da campanha; João Escilitzes e dois outros historiadores, Jorge Cedreno e João Zonaras, que copiaram o trabalho dele. Não foram apenas os historiadores bizantinos, contudo, que escreveram relatos sobre a batalha. Ela foi relatada pelo cronista árabe Iáia de Antioquia e pelos armênios Estêvão de Taraunitis (também conhecido como "Asólico") e Mateus de Edessa. Mais detalhes também podem ser encontrados no sermão comentado de São Fócio da Tessália.[3]

Origens do conflito

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Ruínas das Porta de Trajano

Em 971, o imperador bizantino João I Tzimisces forçou o imperador capturado Bóris II a abdicar e a se mudar para Constantinopla após a queda da capital búlgara, Preslava. Os bizantinos ocuparam apenas as seções orientais do caído Império Búlgaro e, para o ocidente, os quatro filhos do conde de Sredets (Sófia)[4] Nicolau, David, Moisés, Samuel e Aarão continuaram a governar numa tetrarquia.[5] Eles moravam em quatro cidades diferentes na região livre para poder lutar contra os bizantinos com maior eficiência.

A guerra contra a Bulgária em 986 foi a primeira grande campanha realizada por Basílio II após sua ascensão em 976,[6] mesmo tendo os ataques búlgaros se iniciado imediatamente após sua posse. Uma das razões para os dez anos de inação foi a política de um dos mais poderosos nobres em Bizâncio, Basílio, que de facto era o governante do Império Bizantino nos primeiros anos do reinado de seu homônimo.[7] Neste período, o principal objetivo do governo em Constantinopla era esmagar a revolta do comandante militar Bardas Esclero na Anatólia (976-979).[8][9]

Os governadores locais bizantinos foram deixados à própria sorte para lidar com a ameaça búlgara[10] e fracassaram. As posições dos irmãos Samuel e Aarão (os mais velhos, David e Moisés, morreram logo depois do início da grande ofensiva em 976[11][12]) foram reforçadas não apenas pela revolta de Sclero, mas também pela negligência do imperador anterior, João I Tzimisces, em relação ao sudoeste da Bulgária. Após a queda de Preslava e das regiões a nordeste, sua prioridade maior era a guerra contra os árabes na Síria,[13] o que deu aos búlgaros tempo para se preparar para uma longa luta a partir do centro desta região, os lagos Ácrida e Prespa.[14]

Por uma década na ofensiva a partir de 976, os búlgaros conquistaram grandes sucessos. Samuel conseguiu liberar inclusive libertar a região nordeste da Bulgária.[15] Entre 982 e 986, os búlgaros ocuparam a principal cidade da Tessália (na Grécia moderna), Lárissa.[16] Os constantes ataques búlgaros forçaram Basílio a levá-los a sério.[17][18]

Cerco de Sredets

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Mapa da região imediatamente após a Batalha da Porta de Trajano

Em 986, Basílio II liderou uma campanha com 30 000 soldados.[1] Os comandantes dos exércitos orientais não tomaram parte por estarem lutando contra os árabes.[18] Os bizantinos marcharam de Odrin via Plovdiv para alcançar Sredets (Sófia, chamada Sérdica pelos bizantinos). De acordo com Leão, o Diácono, o objetivo do imperador era subjugar os búlgaros com um grande golpe.[17] Depois da captura de Sredets, que era uma fortaleza estratégica entre as terras a nordeste e a sudoeste da Bulgária,[19] Basílio pretendia continuar sua campanha até o centro do poder de Samuel na Macedônia.[1]

A caminho de Sérdica, Basílio II deixou uma forte companhia sob Leão Melisseno para guardar a retaguarda de seu exército.[1] Quando ele finalmente alcançou as muralhas da cidade, o imperador construiu um acampamento fortificado e cercou a fortaleza. O cerco durou vinte dias e contou com diversos ataques fracassados até que a falta de comida se tornou um problema para os bizantinos. Suas tentativas de encontrar provisões no terreno ao redor foram impedidas pelos búlgaros, que queimaram as plantações e chegaram a roubar o gado bizantino. Ao final, a guarnição da cidade irrompeu das muralhas e conseguiu matar diversos soldados, queimando todas as armas de cerco, que os inexperientes generais bizantinos haviam colocado muito próximas das muralhas.[19][20]

A batalha

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Comandantes
Mesmo que o sol tivesse se posto, eu jamais pensaria que as flechas dos búlgaros da Mésia seriam mais fortes que as lanças avzonianas [bizantinas]
...E quando você Phaethon [Sol], descer à terra com sua carruagem dourada, conte para a grande alma de César: o Danúbio [Bulgária] tomou a coroa de Roma. As flechas mesianas quebraram as lanças dos avzonianos[21]
 
João, o Geômetra sobre a Batalhas da Porta de Trajano..

Como resultado das ações dos búlgaros, os bizantinos já não eram mais capazes de tomar a cidade num ataque direto. Eles também não conseguiriam vencê-los pela fome, uma vez que eles mesmos, sem suprimentos, enfrentavam o problema. Além disso, um exército liderado por Samuel marchou para as montanhas na retaguarda bizantina.[22] Neste meio tempo, ao invés de assegurar um caminho para a retirada do exército, Leão Melisseno recuou para Plovdiv,[1] o que deu mais um motivo para Basílio II levantar o cerco. O comandante dos exércitos ocidentais, Contostefano, persuadiu-o de que Melisseno havia partido para Constantinopla para tomar-lhe o trono.[23]

O exército bizantino começou a se retirar pelo vale de Sófia em direção a Ihtiman, onde acampou para passar a noite. Os rumores de que os búlgaros haviam bloqueado os passos de montanha próximos provocaram alguma comoção entre os soldados e, no dia seguinte, a retirada continuou em uma crescente desorganização.[24] Quando os búlgaros de Samuel atacaram,[24][25] a retirada se tornou uma grande fuga desordenada.[26] A guarda avançada bizantina conseguiu se espremer pelos declives ainda não tomados pelos búlgaros,[27] mas o resto do exército foi cercado. Apenas uma unidade de infantaria armênia de elite conseguiu se libertar, com pesadas perdas, levando consigo o imperador através de rotas secundárias.[28] Uma grande quantidade[29] de soldados bizantino pereceu e o resto foi capturado juntamente com as insígnias imperiais.[29][30]

Resultado

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O desastre da campanha na Bulgária em 986 foi um golpe para a consolidação da monocracia de Basílio II Bulgaróctono. Logo após a Batalha da Porta de Trajano, a nobreza da Ásia Menor, liderada pelo general Bardas Focas, o Jovem, se revoltou contra o imperador pelos três anos seguintes.[31]

De acordo com o historiador Petar Mutafchiev, após a batalha, Samuel passou a controlar os Balcãs.[32] De acordo com outros historiadores, a região nordeste do Império Búlgaro foi libertada nos anos seguintes,[33][34][35][36] algo que algumas fontes reputam ter acontecido já em 976, antes da batalha.[37] Os búlgaros agora assumiram a iniciativa e lançaram contínuos ataques contra Tessalônica, Edessa e a costa do Adriático.[38] A Sérvia também foi derrotada e seu estado foi incorporado à Bulgária.

Referências

  1. a b c d e Angelov / Cholpanov, Bulgarian military history during the Middle Ages (10th–15th centuries), p. 39
  2. Selected sources, т. ІІ, с. 128
  3. Com exceção da inscrição de Bitola, há uma revisão das fontes mencionadas em Zlatarski 's History of the First Bulgarian state, v. I, ch. 2, p. 665).
  4. Prokić, Božidar (1906). Die Zusätze in der Handschrift des Johannes Scylitzes. Codex Vindobonensis hist. graec. LXXIV. (em alemão). Munique: [s.n.] 28 páginas. OCLC 11193528 
  5. Bozhilov, Gyuzelev, 1999, pp. 314-315
  6. Ostrogorsky, History of the Byzantine state, p. 394
  7. Ostrogorsky, History of the Byzantine state, pp. 391-393
  8. Mutafchiev, Lectures on Byzantine history, v. ІІ, pp. 267-270
  9. Holmes, Catherine, Basil II (A.D. 976-1025)
  10. Pirivatrić, Samuil's state, pp. 99, 107
  11. 'Pirivatrić, Samuil's state, pp. 99, 146
  12. Andreev, Who is whom in Medieval Bulgaria, pp. 84, 281
  13. Pirivatrić, Samuil's state, p. 72
  14. Pirivatrić, Samuil's state, pp. 97-98
  15. Stoimenov, D., Temporary Byzantine military administration in the Bulgarian lands 971-987/989, GSU NCSVP, v. 82 (2), 1988, p. 40
  16. Pirivatrić, Samuil's state, pp. 107-108, 152-153. De acordo com Zlatarski (History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, pp. 660-663) e Cholpanov (Bulgarian military history during the Middle Ages (10th–15th centuries), p. 38), Lárissa foi tomada em 983.
  17. a b Selected sources, v. ІІ, p. 76
  18. a b Zlatarski, History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, p. 665
  19. a b Zlatarski, History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, p. 669
  20. Selected sources, v. ІІ, p. 76-77
  21. João, o Geômetra, Carmina varia. Migne, Patrol. Gr., t. CVI, col. 934
  22. Angelov / Cholpanov, Bulgarian military history during the Middle Ages (10th–15th centuries), p. 41; Zlatarski, History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, p. 672
  23. Zlatarski, History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, p. 670-672
  24. a b Zlatarski, History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, pp. 673-674
  25. Pirivatrić, Samuil's state, p. 111
  26. Zlatarski, History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, p. 673
  27. Angelov / Cholpanov, Bulgarian military history during the Middle Ages (10th–15th centuries), p. 43
  28. Zlatarski, History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, pp. 674-675
  29. a b Selected sources, т. ІІ, с. 77
  30. Zlatarski, History of the Bulgarian state, v. I, ch. 2, p. 672-675
  31. Mutafchiev, Lectures on Byzantine history, v. ІІ, pp. 272-273; Ostrogorsky, History of the Byzantine state, pp. 397-398
  32. Мутафчиев, Лекции по история на Византия, т. ІІ, с. 271
  33. Bozhilov, Iv., The anonimous of Haza. Bulgaria and Byzantium on the Lower Danube in the end of the 10th century, p. 125
  34. Stoimenov, D., Temporary Byzantine military administration in the Bulgarian lands 971-987/989, GSU NCSVP, v. 82 (2), 1988, pp. 40-43
  35. Nikolov, Centralism and regionalism in early medieval Bulgaria, pp. 194-195
  36. Pirivatrić, Samuil's state, pp. 111, 113, 155
  37. Westberg, F (1951) [1901]. Die Fragmente des Toparcha Goticus (Anonymus Tauricus aus dem 10. Jahrhundert) (em alemão). Leipzig: Zentralantiquariat der Dt. Demokrat. Republik. p. 502. OCLC 74302950 
  38. Angelov / Cholpanov, Bulgarian military history during the Middle Ages (10th–15th centuries), pp. 44-50

Bibliografia

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