Nota: Este artigo é sobre a coletânea de manuscritos medievais. Para cantata de Carl Orff, veja Carmina Burana (Orff).

Carmina Burana (em português: "Canções de Beuern", sendo "Beuern" uma redução de Benediktbeuern, município situado na Baviera) é o título, em latim de um manuscrito de 254 poemas e textos dramáticos, datados, em sua maioria, dos séculos XI e XII, sendo alguns do século XIII.[1] As peças são, em geral, picantes, irreverentes e satíricas e escritas em latim medieval, embora algumas tenham sido escritas em médio-alto-alemão, com alguns traços de francês antigo ou provençal. Há também partes macarrónicas, numa mistura de latim vernáculo com alemão ou francês.

A roda da fortuna, no codex dos Carmina Burana.

Os manuscritos refletem um movimento europeu "internacional", com canções originária de Occitânia, França, Inglaterra, Escócia, Aragão, Castela e do Sacro Império.[2]

Vinte e quatro poemas dos Carmina Burana foram musicalizados por Carl Orff em 1936; a composição de Orff rapidamente se tornou popular, o movimento de abertura e de fecho "O Fortuna", tem sido utilizada em filmes e eventos se tornando a peça clássica mais ouvida desde que foi gravada.[3] Entre dezenas de gravações, uma das mais recentes é da London Symphony Orchestra, dirigida por Richard Hickox, com solos de Laura Claycomb e Barry Banks, e lançada pela Chandos em outubro de 2008.

O códice (século XI-XIII)

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O códice encontrado em Benediktbeuern continha poemas dos monges e eruditos errantes — os goliardos —, quase todos escritos em latim medieval, exceto 47 versos, escritos em médio-alto-alemão vernacular e vestígios de frâncico. Um estudioso de dialetos, Johann Andreas Schmeller, publicou a coleção em 1847, dando-lhe o título de “Carmina Burana”, que, em latim, significa “Canções de Benediktbeuern”.

Acredita-se que todos os poemas fossem destinados ao canto mas os copistas responsáveis pelo manuscrito, nele não indicaram a música de todos os carmes, de modo que só foi possível reconstruir o andamento melódico de 47 deles. O códex é subdividido em seis partes:

-Carmina moralia et satirica (1-55), de caráter satírico e moral;
-Carmina veris et amoris (56-186), cantos primaveris e de amor;
-Carmina lusorum et potatorum (187-228), cantos orgiásticos e festivos;
-Carmina divina, de conteúdo moralístico-sacro (parte que provavelmente foi adicionada já no início do século XIV);
-Ludi, jogos religiosos;
-Supplementum, suplemento com diferentes versões dos carmina.

Os textos são muito diferentes entre si e mostram a diversidade da produção goliardesca. Se, de um lado, há os conhecidos hinos orgiásticos, as canções de amor de alto conteúdo erótico e as paródias blasfemas da liturgia, de outro emergem a recusa moralística da riqueza e a veemente condenação à Cúria Romana, por ser voltada apenas à busca do poder. Assim diz o carme n°. 10:

A morte agora reina sobre os prelados que não querem administrar os sacramentos sem obter recompensas (...) São ladrões, não apóstolos, e destroem a lei do Senhor.

E o carme n°. 11:

Sobre a terra nestes tempos, o dinheiro é rei absoluto (...) A venal cúria papal é cada vez mais ávida dele. Ele impera nas celas dos abades e a multidão de priores, com as suas capas negras, só a ele louva.

Os versos mostram que os chamados clerici vagantes não se dedicavam somente ao vício, mas que se inseriam entre os adversários do crescente mundanismo da Igreja e da conformação monárquica do Papado, ao mesmo tempo que defendiam uma ideologia progressista, distante da clausura da vida monástica.

Além disso, a variedade de conteúdos do manuscrito é também indiscutivelmente atribuída ao fato de que os vários carmina tenham autores diferentes, cada um com seu próprio caráter, as próprias inclinações e provavelmente a própria ideologia, não se tratando de um movimento cultural literário compacto e homogêneo no sentido moderno do termo.

Os textos originais são entremeados por notas morais e didáticas, como se usava no primeiro Medievo, e a variedade dos assuntos - especialmente de natureza religiosa e amorosa, mas também profana e licenciosa - e de línguas adotadas, expressa o estilo de vida e o pensamento dos autores, os clerici vagantes ou goliardos, que costumavam deslocar-se pelas várias universidades europeias nascentes, assimilando-lhes o espírito mais concreto e terreno.

Versões musicais

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Um grande número dos textos foram musicalizados por conjuntos de música medieval, como por exemplo Thomas Binkley e o Studio der frühen Musik em 1964; René Clemencic e os Clemencic Consort em 1974; Marcel Pérès e o conjunto Organum em 1989; Berry Hayward e o conjunto Caillard em 1990; Jean-Michel Deliers e o conjunto Alegria em 1991[4]; ou Joël Cohen e os Boston Camerata.

 Ver artigo principal: Carmina Burana (Orff)

A obra musical mais conhecida que tem por base os textos dos Carmina Burana é incontestavelmente a que foi composta pelo compositor alemão Carl Orff. Orff musicou alguns dos Carmina Burana, compondo uma cantata com o mesmo título, estreada em 8 de junho de 1937, em Frankfurt. Com o subtítulo "Cantiones profanae cantoribus et choris cantandae", a obra, por suas características, pode ser definida também como uma "cantata cênica". A obra de Orff faz parte da trilogia Trionfi, que o compositor compôs em diferentes períodos, e que compreende os Catulli Carmina (1943) e o Trionfo di Afrodite (1953).

O Fortuna, Imperatrix Mundi

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 Ver artigo principal: O Fortuna
Em latim Em português
O Fortuna, Ó Sorte,
Velut Luna És como a Lua
Statu variabilis, Mutável,
Semper crescis Sempre aumentas
Aut decrescis; Ou diminuis;
Vita detestabilis A detestável vida
Nunc obdurat Ora oprime
Et tunc curat E ora cura
Ludo mentis aciem, Para brincar com a mente;
Egestatem, Miséria,
Potestatem Poder,
Dissolvit ut glaciem. Ela os funde como gelo.
 
Sors immanis Sorte imensa
Et inanis, E vazia,
Rota tu volubilis Tu, roda volúvel
Status malus, És má,
Vana salus Vã é a felicidade
Semper dissolubilis, Sempre dissolúvel,
Obumbrata Nebulosa
Et velata E velada
Michi quoque niteris; Também a mim contagias;
Nunc per ludum Agora por brincadeira
Dorsum nudum O dorso nu
Fero tui sceleris. Entrego à tua perversidade.
 
Sors salutis A sorte na saúde
Et virtutis E virtude
Michi nunc contraria Agora me é contrária.
Est affectus
Et defectus E tira
Semper in angaria. Mantendo sempre escravizado
Hac in hora Nesta hora
Sine mora Sem demora
Corde pulsum tangite; Tange a corda vibrante;
Quod per sortem Porque a sorte
Sternit fortem, Abate o forte,
Mecum omnes plangite! Chorai todos comigo!

Bibliografia

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  • Miguel Carvalho Abrantes (2018). A Carmina Burana de Carl Orff: Tradução do Latim para Português. [S.l.]: KDP 
  • Rossi, Piervittorio (org.). Carmina Burana. Texto latino a fronte, Milano, Bompiani, 1989.
  • UFSC. Departamento de Automação e Sistemas. As origens de Carmina Burana. (Artigo, seguido do libretto original e traduzido da cantata de Orff). Sem data. Disponível em: archive.org.

Referências

  1. Carmina Burana. Die Lieder der Benediktbeurer Handschrift. Zweisprachige Ausgabe, ed. e trad. por Carl Fischer e Hugo Kuhn, dtv, Munique 1991.
  2. Carmina Burana, Version originale & Integrale, 2 Volumes (HMU 335, HMU 336), Clemencic Consort, Direction René Clemencic, Harmonia Mundi
  3. The Telegraph, X Factor theme tune O Fortuna 'most widely heard classical track'
  4. Página do disco Carmina Burana do conjunto Alegria.
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