Cristianismo judaico
Os adeptos dos cristianismo judaico (em hebraico: יהודים נוצרים) eram os seguidores de uma seita religiosa judaica que surgiu na Judeia durante o final do período do Segundo Templo, destruído em 70 d.C., durante a Primeira guerra judaico-romana. Eles acreditavam em Jesus como o Messias profetizado no Antigo Testamento e que seus ensinamentos incluíam a observância das prescrições da lei mosaica, descritas no Pentateuco.
O cristianismo judaico é o fundamento do cristianismo primitivo, que mais tarde se transformou no cristianismo patrístico. O movimento teve como ponto de partida as expectativas escatológicas judaicas e se transformou na veneração de Jesus após seu ministério terrestre, sua crucificação e as experiências pós-crucificação de seus seguidores.[1]
A inclusão de gentios levou a uma crescente divisão entre os cristãos judeus e os cristãos gentios (paulinismo). Deste último grupo surgiu o cristianismo "ortodoxo", enquanto o judaísmo predominante se transformou no judaísmo rabínico. Os cristãos judeus se afastaram do judaísmo tradicional, tornando-se uma parte minoritária que havia praticamente desaparecido no século V.[2]
A divisão definitiva entre cristianismo judaico e o cristianismo gentio ocorreu durante os primeiros séculos d.C. Embora a primeira guerra judaico-romana e a destruição de Jerusalém em 70 d.C. tenham sido os principais eventos, a separação foi um processo de longo prazo, no qual as fronteiras não estão bem definidas[3][4].
Desse modo, há estudiosos que questionam a utilização da expressão "cristianismo judaico", pois não há um consenso sobre a data de nascimento do cristianismo. Desse modo, entendem que seria melhor designá-los como "seguidores judeus de Jesus"[5].
Os primeiros seguidores judeus de Jesus se referiam a si mesmos como "O Caminho" (ἡ ὁδός - hė hodós), provavelmente inspirados pelo Versículo 3 do Capítulo 40 do Livro de Isaías: "prepare o caminho do Senhor"[6][7][8].
De acordo com o Versículo 26 do Capítulo 11 do Livro que relata os Atos dos Apóstolos, o termo "cristão" (grego: Χριστιανός) foi usado pela primeira vez em referência aos discípulos de Jesus na cidade de Antioquia, pelos habitantes não-judeus da cidade, para designar os "seguidores de Cristo"[9]. O uso mais antigo registrado do termo "Cristianismo" (grego: Χριστιανισμός) foi por Inácio de Antioquia, por volta de 100 d.C. [10].
Contexto
editarHelenismo
editarO cristianismo surgiu no mundo helenístico sincretista do primeiro século d.C., que era dominado pelo direito romano e pela cultura grega. A cultura helenística teve um profundo impacto nos costumes e práticas dos judeus, tanto na Terra de Israel quanto na Diáspora. Desse modo, surgiu o judaísmo helenístico na diáspora judaica, que procurou estabelecer uma tradição religiosa judaico-hebraica dentro da cultura e linguagem do helenismo.
O judaísmo helenístico se espalhou para o Egito ptolomaico a partir do século III a.C. e tornou-se uma notável religião lícita após a conquista romana da Grécia, Anatólia, Síria, Judeia e Egito, até seu declínio, no século III d.C., que foi um fenômeno paralelo ao surgimento do gnosticismo e do cristianismo primitivo.
Segundo Burton Mack, a visão cristã da morte de Jesus pela redenção da humanidade só era possível em um meio helenizado[11].
Seitas Judaicas
editarNo início do primeiro século d.C., havia muitas seitas judaicas concorrentes na Palestina. As principais eram os fariseus, saduceus e zelotes, mas também existiam outras seitas menos influentes, como os essênios. No período compreendido entre o primeiro século a.C. e o primeiro século d.C., surgiram diversos líderes religiosos carismáticos, que contribuíram para o que se tornaria a Mishná judaísmo rabínico e o Ministério de Jesus, que levaria ao surgimento da primeira comunidade cristã judaica.
Embora os evangelhos contenham fortes condenações dos fariseus, Paulo de Tarso, o apóstolo alegou ser fariseu, e há uma clara influência da interpretação de Hilel nas palavras do evangelho. A crença na ressurreição dos mortos na era messiânica era uma doutrina farisaica essencial.
Messianismo judaico
editarA maioria dos ensinamentos de Jesus era compreendida no contexto do judaísmo no período do Segundo Templo. O que separou os cristãos dos judeus foi a fé em Jesus como o Messias ressuscitado[12]. Embora o cristianismo reconheça apenas um Messias supremo, pode-se dizer que o judaísmo se apega a um conceito de múltiplos messias. Os dois mais relevantes eram o Messias ben Joseph e o tradicional Messias ben David. Alguns estudiosos argumentaram que a ideia de dois messias, um sofrendo e o segundo cumprindo o papel messiânico tradicional, era normativa para o judaísmo antigo, anterior a Jesus. Jesus teria sido visto por muitos como um ou ambos[13][14][15][16].
O messianismo judaico tem sua raiz na literatura apocalíptica, escrita entre o século II a.C. e o século I d.C., prometendo um futuro líder "ungido" ou Messias que iria fazer ressurgir o "Reino de Deus" israelita, no lugar dos governantes estrangeiros da época. Como Jesus não estabeleceu um Israel independente, e morreu pelas mãos dos romanos, muitos judeus o rejeitaram como o Messias, esses estavam esperando um líder militar como um Messias, como Bar Kokhba.
Cristianismo Judaico Primitivo
editarA maioria dos historiadores concorda que Jesus e seus seguidores estabeleceram uma nova seita judaica, que atraiu convertidos judeus e gentios. A autopercepção, as crenças, os costumes e as tradições dos seguidores judeus de Jesus baseavam-se no Judaísmo do primeiro século.
De acordo com o estudioso do Novo Testamento Bart D. Ehrman[17], vários cristianismos primitivos existiram no Século I d.C., a partir dos quais se desenvolveram várias tradições e denominações cristãs, incluindo a proto-ortodoxia, marcionitas, gnósticos e os seguidores judeus de Jesus.
De acordo com o teólogo James DG Dunn[18], é possível subdividir o cristianismo primitivo em quatro tipos:
- Cristianismo Judaico;
- Cristianismo Helenístico;
- Cristianismo Apocalíptico; e
- Catolicismo Primitivo.
Os primeiros seguidores de Jesus eram essencialmente todos etnicamente judeus. Jesus era judeu, pregou ao povo judeu e chamou deles seus primeiros seguidores. De acordo com McGrath, os cristãos judeus "consideravam seu movimento uma afirmação de todos os aspectos do judaísmo da época, com o acréscimo de uma crença extra - que Jesus era o Messias"[19].
À medida que o cristianismo cresceu e se desenvolveu, os cristãos judeus se tornaram apenas uma vertente da comunidade cristã primitiva, caracterizada por combinar o reconhecimento de Jesus como o Messias com a observância continuada da Torá e das tradições judaicas como a observância do sábado, calendário judaico, leis e costumes judaicos, dieta kosher e frequência à sinagoga[3][20][21][22].
Cristianismo primitivo em Jerusalém
editarPedro e Tiago (irmão de Jesus eram líderes dos cristãos em Jerusalém. Paulo, cuja legitimidade se basea na aparição de Jesus, estava em contato com esta comunidade[23]. Pedro foi o primeiro líder da igreja de Jerusalém, mas teve que sair da cidade para exercer atividades missionárias e Tiago passou a ser o principal líder dos cristãos em Jerusalém[24][25]
Os romanos destruíram a liderança judaica em Jerusalém no ano 135 durante a Revolta de Bar Kokhba, mas acredita-se que maior parte dos cristãos já havia deixado a cidade, antes de 70 d.C.
Messianismo judaico
editarO messianismo judaico tem suas raízes na literatura apocalíptica publicada entre o século II a.C. e o século I d.C.
Referências
- ↑ E. Peterson (1959), "Christianus." In: Frühkirche, Judentum und Gnosis, publisher: Herder, Freiburg, pp. 353–72
- ↑ Shiffman, Lawrence H. (2018). «How Jewish Christians Became Christians». My Jewish Learning
- ↑ a b How Jewish Christians Became Christians
- ↑ Christianity: Severance from Judaism
- ↑ Jewish Believers in Jesus (2007). Skarsaune and Hvalvik; ed. Jackson-Mccabe Matt. Jewish Christianity Reconsidered: Rethinking Ancient Groups and Texts (2007).
- ↑ Jamieson-Fausset-Brown Bible Cod.m.entary
- ↑ Gill's Exposition of the Bible
- ↑ Sect of “The Way”, “The Nazarenes” & “Christians” : Names givend.to the Early Church.
- ↑ "Christianus." In: "Frühkirche, Judentum und Gnosis": Herder, Freiburg. E. Peterson (1959)
- ↑ Tyndale Bible Dictionary: Tyndale House Publishers. Walter Elwell e Philip Wesley Comfort (2001).
- ↑ Wie schreven het Nieuwe Testament werkelijk? Feiten, mythen en motieven, Uitgeverij Ankh-Hermes. Burton L. Mack, (1995)
- ↑ From the Maccabees to the Mishnah: The Westminster Press. Shaye J.D. Cohen (1987).
- ↑ The Jewish Gospels: The Story of the Jewish Christ.
- ↑ The Messiah before Jesus: The Suffering Servant of the Dead Sea Scrolls.
- ↑ The Review of Rabbinic Judaism: Ancient, Medieval, and Modern.
- ↑ The Jewish Jesus: How Judaism and Christianity Shaped Each Other
- ↑ "Lost Christianities: The Battles for Scripture and the Faiths We Never Knew". Bart Ehrman (2005). Oxford University Press.
- ↑ Unity and diversity in the New Testament. Dunn, James D.G. [1977]. Scm Press.
- ↑ Christianity: An Introduction. Blackwell Publishing (2006). Alister E. McGrath.
- ↑ The Image of the Judaeo-Christians in Ancient Jewish and Christian Literature . Peter J. Tomson e Doris Lambers-Petry (2003). Tübingen: Mohr Siebeck. Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament, vol. 158.
- ↑ Eerdmans Dictionary of the Bible
- ↑ Paul and Jesus: How the Apostle Transformed Christianity. James D. Tabor (2013).
- ↑ The Oxford dictionary of the Christian Church, 3ª rev, 2005, p 862
- ↑ De Gnostische Evangelien (The Gnostic Gospels). Elaine Pagels (2005). Servire
- ↑ , De opstanding van Jezus. Een historische benadering (Was mit Jesus wirklich geschah. Die Auferstehung historisch betrachtet). Gerd Lüdemann e Alf Özen. The Have/Averbode.