Declaração de Direitos de 1689

A Declaração de Direitos de 1689 (também conhecida por sua forma estatutária: Bill of Rights of 1689) foi um documento elaborado pelo Convention Parliament, formado após a fuga de Jaime II diante da chegada das tropas de Guilherme III em território britânico, no momento que ficou conhecido como Revolução Gloriosa.[1][2]

Bill of Rights
Bill of Rights
Declaração de Direitos de 1689
Tipo legislação (ato parlamentar)
Propósito Definir direitos do Parlamento e de indivíduos.
Ratificação 16 de dezembro de 1689

Jaime II vinha tentando expandir a fé católica em seu reinado, o que não agradava os aristocratas anglicanos da Inglaterra. Sendo assim, no início de 1688 foi tramada uma conspiração contra Jaime. Guilherme III (chefe de estado da Holanda) foi “convidado a invadir” a ilha inglesa.[2][3]

A Declaração, em essência, propõe limitações às ações da Coroa perante o Parlamento e a definição da sucessão da Coroa. Entre as limitações, pode-se destacar a cobrança de impostos sem o consentimento parlamentar, não podendo interferir nas eleições parlamentares e a suspensão de leis sem a anuência parlamentar.[4]

Após sua elaboração, o documento foi entregue a Guilherme e Maria II (filha protestante de Jaime II), que aceitam os termos da declaração, sendo assim coroados rei e rainha. Pode-se dizer que Guilherme foi o primeiro rei “eleito” da Inglaterra.[4]

Este documento é considerado um dos pilares do sistema constitucional do Reino Unido que estabelece limites aos poderes do monarca e declara os direitos do Parlamento, incluindo regular deliberação parlamentar, eleições livres e liberdade de expressão no Parlamento. O Bill of Rights é o primeiro documento oficial que garante a participação popular, por meio de representantes parlamentares, na criação e cobrança de tributos, sob pena de ilegalidade, vedando, ainda, a instituição de impostos excessivos e de punições cruéis e incomuns.[5]

Contexto

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Revolução Gloriosa

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 Ver artigo principal: Revolução Gloriosa

Em resposta aos excessos cometidos durante a Guerra Civil Inglesa e o Protetorado, ocorre a Restauração Inglesa em 1660, que leva Carlos II ao trono inglês.[6]

Durante seu reinado, ocorrem ações para expandir a fé católica na Inglaterra, como a busca pelo estabelecimento da religião como oficial no país. Além disso, promoveu também a tolerância religiosa e uma política de aliança incondicional com a França.[7]

Carlos II morre e Jaime II assume o trono, também tentando reinstalar o catolicismo como religião oficial. Os católicos passam a dominar o círculo próximo do soberano, assim como os postos de comando do exército e das universidades, o que leva a nobreza e o povo em geral a se alarmarem com perspectiva de perseguição em larga escala aos protestantes, como sucedida no continente europeu.[3]

Em resposta, no início de 1688, um grupo de bispos anglicanos, aristocratas e demais parlamentares formaram uma conspiração contra Jaime II. O objetivo era convidar Guilherme de Orange, esposo da filha protestante de Jaime II, Maria, para invadir a Inglaterra e libertá-la do governo de Jaime II.[2]

Guilherme de Orange aceita e desembarca na Inglaterra, o que leva os generais de Jaime II, Churchill e Grafton, a abandonarem seus postos e irem ao encontro de Guilherme de Orange. Como efeito desse quadro de deserção aliada, Jaime II foge à França.[8]

Então, os notáveis da capital e outros lordes, magnatas e bispos que se encontravam na cidade formaram um comitê improvisado de segurança pública e convidaram Guilherme de Orange para que temporariamente assumisse a administração do país e convocasse um Convention Parliament, que decidiria sobre o futuro da Coroa da Inglaterra.[9]

Assim, Guilherme III e Maria II são coroados, e em dezembro de 1689 assinam a Bill of Rights.[9]

Locke e a Revolução

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No decorrer da Restauração da monarquia um filosofo de família burguesa[10] chamado Jonh Locke produziu alguns trabalhos que tiveram grande influência no pensamento liberal diretamente ligado a Bill of Rigths e a Revolução Gloriosa. Em seu segundo tratado, ele defende a tese de que “o consentimento expresso dos governados é a única fonte do poder político”;[11] o que legitima a ascensão de Guilherme de Orange.[12] Sob os intensos conflitos entre o Parlamento e a Coroa, a teoria de Jonh Locke parecia conciliar tanto os interesses do rei quanto dos senhores burgueses, ao impor limites a ação do monarca sem nega-los. Com o governo civil o parlamento passa a ser o interprete das leis naturais, onde cada membro seu se submete as leis por ele criadas, e o rei ficaria com o poder executivo, além do poder de veto e da prerrogativa.[13]

Baseado em sua concepção do individualismo, Locke defendia que o indivíduo precede a sociedade, ou seja, que os homens viviam originalmente num estágio pré-social e pré-político, caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade, denominado estado de natureza.[11] Fundamentado nesse pensamento de que o estado anterior a sociedade política é um estado de liberdade natural onde cada um regula suas ações,[14] na instituição do governo civil ocorreria a transferência dos poderes dos indivíduos ao governo por meio do consentimento de que este governo falará em nome do povo, ditando o bem comum segundo os interesses do povo.[14] Assim, argumentava que a monarquia absoluta não pode ser uma forma de governo civil, pois o monarca julga em causa própria.[15]

Seu pensamento opunha-se à monarquia absoluta, defendendo o governo civil e buscando outra forma de legitimação do poder político.[14] A síntese do seu pensamento estava na 'não intervenção' do estado sobre o indivíduo e a submissão do soberano a suas próprias leis.[16] Diferentemente do regime absolutista, o governo deveria basear-se na noção de que as leis organizarão a sociedade, e sua garantia se dará no apoio que as leis tem na força concentrada no executivo.[17] Ainda segundo sua teoria, com a estabilização de uma sociedade política, esta deverá escolher uma forma de governo de sua preferência, que deverá ter um poder legislativo como protagonista.[18] Sendo assim, Locke fornece a justificação moral, política e ideológica para a Revolução Gloriosa e para a monarquia parlamentar.[19]

A Declaração

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A Bill of Rights pode ser considerada o documento que melhor encapsula os objetivos da Revolução Gloriosa.[20] Contudo, o documento conhecido como Bill of Rights é, na verdade, a forma estatutária de outro documento, a Declaração de Direitos de 1689. Sendo assim, a Bill é o texto que se tornou, de fato, lei, enquanto a Declaração é o documento que foi apresentado a Maria II e Guilherme III antes de estes serem declarados Rei e Rainha.[1]

 
Gravura alegórica representando a Declaração de Direitos de 1689.

Convention Parliament

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Com Jaime II em fuga e Guilherme de Orange reivindicando o trono, um Convention Parliament foi formado, ou seja, um Parlamento que não havia sido formalmente convocado pelo monarca. Foi esse Parlamento que desenvolveu a Declaração dos Direitos.[21] A Declaração se ocupou de detalhar os erros cometidos por Jaime II e especificar os direitos dos ingleses que nenhum monarca poderia violar,[22] além de estabelecer Guilherme III e Maria II, que era filha de Jaime II, como Rei e Rainha da Inglaterra.[23]

Este documento foi um acordo entre os partidos ingleses Whig e Tory. Contudo, não havia consenso ideológico entre eles,[24] e o resultado foi a elaboração de proposições essencialmente vagas, como “reunião frequente de parlamentos”, sem estipular essa frequência, ou a proibição de “punições cruéis ou pouco usuais”, sem estabelecer o que elas eram.[25] Posteriormente, novas leis corrigiriam esses aspectos vagos,[26] mas ainda em um contexto em que intensas diferenças persistiam entre os dois partidos, ou seja, a Declaração foi um consenso momentâneo, não um acordo permanente.[27]

Circulação de ideias

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Centenas de panfletos, tratados e folhetos foram impressos na época do Convention Parliament. Esses documentos representam o que as pessoas estavam lendo durante momentos de instabilidade política, ou seja, as ideias que estavam circulando. De modo geral, mostram que havia um desejo não de apenas mudar o Rei, mas de modificar o funcionamento da própria Monarquia.[28] Além disso, evidenciam que as definições presentes na Declaração têm, em grande parte, conexões diretas com discussões antigas, algumas datando até mesmo da Revolução Inglesa.[29]

O argumento geral apresentado por diversos dos panfletos era de que poder real não derivava de um Direito Divino dos Reis, mas sim do próprio povo, através de contratos estabelecidos com o monarca. Jaime II teria descumprido esses contratos e, portanto, o povo tinha direito de reestabelecer o pacto com outro monarca, atividade que estava sendo empreendida pelo Convention Parliament.[30] Uma série de mudanças que circulavam na imprensa foram, de fato, discutidas no Parlamento, como a limitação dos poderes legislativos do Rei e a autoridade real sobre os militares.[31]

O primeiro rascunho da Declaração possuía diversas restrições ao poder real, mas a versão final foi mais diluída devido aos conflitos entre os partidos e a necessidade urgente de se reestabelecer a ordem.[32] A Declaração de Direitos foi lida para Guilherme e Maria, que a aceitaram, em 13 de fevereiro de 1689, quando a Coroa lhes foi oferecida. Em 16 de dezembro do mesmo ano recebeu o Consentimento Real e se tornou um Ato Parlamentar.[33]

Provisões do Ato

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A Declaração de Direitos consistia em queixas em relação ao governo do rei Jaime II e, por conseguinte, a promulgação de certas leis que não poderiam ser alteradas, e que deveriam ser a base de Direitos do cidadão inglês, além de também constituir as novas obrigações e poderes do rei.[5]

As principais queixas que foram levantadas em relação ao rei Jaime II, no documento, eram:[5]

  • Assumir e exercer o poder de dispensar, suspender e executar leis sem o consentimento do Parlamento.
  • Prender e processar diversos prelados que tentaram se eximir da obrigação de concordar com as posições tomadas por ele.
  • Levantar dinheiro para o uso da Coroa de maneira diferente do que havia sido permitido pelo Parlamento.
  • Erguer e manter um exército permanente dentro do reino em tempo de paz sem o consentimento do Parlamento.
  • Desarmar vários súditos Protestantes ao mesmo tempo que Católicos continuavam armados, contrariando a lei.
  • Violar a liberdade de eleição de membros do Parlamento.
  • Realizar processos na Corte do Rei por questões e causas reconhecíveis apenas no Parlamento, e diversos outros cursos arbitrários e ilegais.
  • E permitir que, nos anos recentes, pessoas corruptas e não qualificadas servissem nos julgamentos.
  • Cobrar fiança excessiva de pessoas condenadas em casos criminais para evitar que se beneficiassem das leis que haviam sido feitas para a Liberdade dos sujeitos.
  • Impor multas excessivas.
  • Infligir punições cruéis e ilegais.
  • Fazer várias concessões e promessas de multas e confiscos antes de qualquer condenação ou julgamento.

Em decorrência de tais ações do último rei, o parlamento instituiu novas leis que passariam a entrar em vigor, e essas leis deveriam ser observadas pelo então novo rei Guilherme de Orange. Tais leis estipulavam:[5]

  • Que o suposto poder de suspender as leis ou execução de leis pela autoridade real sem o consentimento do Parlamento é ilegal.
  • Que o suposto poder de dispensar leis ou execução de leis pela autoridade real, como havia sido assumido e executado, é ilegal.
  • Que arrecadar dinheiro para o uso da Coroa por prerrogativa, sem consentimento do Parlamento, ou de forma diferente da por esse autorizada, é ilegal.
  • Que é direito dos súditos peticionar o rei, e toda execução ou processo por tal petição são ilegais.
  • Que a criação ou manutenção de um exército permanente dentro do reino em tempos de paz, a não ser com o consentimento do Parlamento, é contra a lei.
  • Que os súditos Protestantes possam ter armas para sua defesa adequadas às suas condições conforme permitido por lei.
  • Que a eleição dos membros do Parlamento deve ser livre.
  • Que a liberdade de expressão e os debates ou procedimentos do Parlamento não devem ser contestados ou questionados em nenhuma outra corte ou lugar fora do Parlamento.
  • Que fianças e multas excessivas não devem ser exigidas, nem punições cruéis ou incomuns devem ser infligidas.
  • Que todas as concessões e promessas de multas e confiscos antes de condenação são ilegais e nulas.
  • E que para a reparação de todas as queixas e emendas, o fortalecimento e a preservação das leis, os Parlamentos deveriam ser formados frequentemente.
 
Rei Guilherme III da Inglaterra, também conhecido como Guilherme de Orange.

Consequências

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Uma vez instituída a Bill Of Rights, uma série de novos atos começaram a ser passados para garantir o que havia sido estipulado. O Triennial Act de 1694 estipulou que o Parlamento se reunisse uma vez por ano e haveriam eleições gerais a cada três anos. Os Mutiny Acts, renovados anualmente, tornavam a manutenção de um exército legal por apenas um ano. Relativa liberdade de imprensa a partir de 1695.[21]

A Bill não apenas substituiu o Rei, mas também modificou a monarquia e as prerrogativas militares conferidas ao monarca. A principal questão colocada era decidir quem deveria exercer a soberania, Parlamento ou Rei, e os homens escolheram o Parlamento.[34]

Há diferentes interpretações, que conferem diferentes graus de importância a este documento. Enquanto alguns estudiosos o colocam como fundamental para o desenvolvimento da Constituição do Reino Unido, outros os dão pouca importância, afirmando que era um documento essencialmente conservador e vago.[35]

Além disso, a Bill inspirou outras Declarações de Direito na história, como a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos.[36] Foi através dela, também, que os americanos justificaram sua independência, alegando, assim como os ingleses na Revolução Gloriosa, que o Rei estava descumprindo com suas funções.[32] É possível, também, encontrar traços do documento na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.[36]

Referências

  1. a b Schwoerer 1980, p. 224-225.
  2. a b c Appel & Costa 2012, p. 12-13.
  3. a b Arthmar 2014, p. 77.
  4. a b Appel & Costa 2012, p. 14-15.
  5. a b c d «English Bill of Rights 1689». Lillian Goldman Law Library. 2008. Consultado em 22 de novembro de 2019 
  6. Arthmar 2014, p. 75.
  7. Arthmar 2014, p. 76.
  8. Appel & Costa 2012, p. 13.
  9. a b Appel & Costa 2012, p. 14.
  10. Mello 2004, p. 83.
  11. a b Mello 2004, p. 84.
  12. Mello 2004, p. 82.
  13. Valle 2009, p. 6.
  14. a b c Valle 2009, p. 3.
  15. Valle 2009, p. 5.
  16. Valle 2009, p. 1.
  17. Valle 2009, p. 2.
  18. Mello 2004, p. 86-87.
  19. Mello 2004, p. 88.
  20. Schwoerer 1980, p. 224.
  21. a b Hill 2006, p. 255.
  22. Pincus 2009, p. 292.
  23. Schwoerer 1980, p. 225.
  24. Pincus 2009, p. 293.
  25. Hill 2006, p. 274.
  26. Hill 2006, p. 275.
  27. Pincus 2009, p. 293-294.
  28. Schwoerer 1980, p. 228-229.
  29. Schwoerer 1980, p. 232.
  30. Schwoerer 1980, p. 229-230.
  31. Schwoerer 1980, p. 231-233.
  32. a b Schwoerer 1980, p. 234.
  33. Schwoerer 1980, p. 248.
  34. Schwoerer 1980, p. 227.
  35. Lock 1989, p. 542-543.
  36. a b Lock 1989, p. 543.

Bibliografia

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Ligações externas

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