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Memórias Póstumas de Brás Cubas

"A Bibliotheca Nacional offerece Machado di Assis". Volume dedicado pelo próprio autor à
Fundação Biblioteca Nacional
Autor(es) Machado de Assis
Idioma Língua portuguesa
País Brasil
Gênero Romance
Editora Tipografia Nacional
Lançamento 1881

Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance escrito por Machado de Assis, escrito à princípio como folhetim de março a dezembro de 1880 na Revista Brasileira para no ano seguinte ser publicado num volume editado pela Tipografia Nacional.

O livro marca um novo tom e estilo na obra de Machado de Assis, bem como uma audácia e inovação temática no cenário literário nacional que fez com que recebesse à época estranhas críticas e comentários. Confessando adotar a "forma livre" de Laurence Sterne em seu Tristram Shandy (1759-67) ou de Xavier de Maistre, com Memórias Póstumas o autor rompe com a narração linear e objetivista de autores proeminentes da época como Flaubert e Zola para retratar o Rio de Janeiro e sua época em geral com pessimismo, ironia e indiferença—um dos fatores pelos quais a fez ser amplamente considerada como a obra que iniciou o Realismo no Brasil.

Memórias Póstumas de Brás Cubas retrata temas como a escravidão, as classes sociais e as ciências e filosofias da época, criando, inclusive, uma nova, melhor desenvolvida posteriormente em Quincas Borba (1891), a saber o Humanitismo. Críticos escrevem que com este romance Machado de Assis precedeu elementos do realismo mágico de escritores como Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, bem como do Modernismo, e de fato alguns autores a chamam de "primeira narrativa fantástica do Brasil".[1] O livro influenciou decisivamente escritores como John Barth, Donald Barthelme e Ciro dos Anjos e é notado como uma das obras mais prestigiadas, revolucionárias e inovadoras da literatura brasileira, recebendo desde os dias de hoje inúmeros estudos, interpretações e adaptações para outras mídias.

Enredo

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Personagens

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Sinopse

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Narrado em primeira pessoa, seu autor é Brás Cubas, um "defunto-autor", i.e, um homem que já morreu e que deseja escrever a sua autobiografia. Nascido numa típica família da elite carioca do século XIX, do túmulo o morto escreve suas memórias póstumas começando com uma "Dedicatória": Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas. Seguido da dedicatória, no outro capítulo, "Ao Leitor", o próprio narrador explica o estilo de seu livro, enquanto o próximo, "Óbito do Autor", começa realmente com a narrativa, explicando seus funerais e em seguida a causa mortis, uma pneumonia contraída enquanto inventava o "emplasto Brás Cubas", panacéia medicamentosa que foi sua última obsessão e que lhe "garantiria a glória entre os homens". No Capítulo VII, "O Delírio", narra o que antecedeu ao óbito.

 
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No Capítulo IX, "Transição", principiam propriamente as memórias. Brás Cubas começa revendo a própria infância de menino rico, mimado e endiabrado: desde cedo ostentava o apelido de "menino diabo" e já dava mostras da índole perversa quebrando a cabeça das escravas quando não era atendido em algum querer ou montando num dos filhos dos escravos de sua casa, o moleque Prudêncio, que fazia de cavalo. Aos dezessete anos, Brás Cubas apaixona-se por Marcela, "amiga de rapazes e de dinheiro",[2] prostituta de luxo, um amor que durou "quinze meses e onze contos de réis",[3] e que quase acabou com a fortuna da família.

A fim de se esquecer dessa decepção amorosa, o protagonista foi enviado a Coimbra, onde se formou em Direito, após alguns anos de boêmia desbravada, "fazendo romantismo prático e liberalismo teórico".[4] Retorna ao Rio de Janeiro por ocasião da morte da mãe. Depois de namorar inconseqüentemente Eugênia, "coxa de nascença",[5] filha de D. Eusébia, amiga pobre da família, o pai planeja induzi-lo na política através do casamento e encaminha o relacionamento do filho com Virgília, filha do Conselheiro Dutra, que apadrinharia o futuro genro. Porém Virgília prefere casar-se com Lobo Neves, também candidato a uma carreira política. Com a morte do pai de Brás Cubas, instaura-se um conflito entre ele e sua irmã, Sabina, casada com Cotrim, por conta da herança.

Quando Virgília reaparece, anunciada pelo primo Luís Dutra, reencontra-se com Brás Cubas e tornam-se amantes, vivendo no adultério a paixão que não tiveram quando noivos. Virgília engravida, no entanto a criança morre antes de nascer. Para manter discreta sua relação amorosa, Brás Cubas corrompe Dona Plácida, que por cinto contos de réis aceita figurar-se como moradora de uma casinha na Gamboa, que na verdade serve de encontro entre os amantes. Então segue-se o encontro do protagonista com Quincas Borba, amigo de infância que agora miserável lhe rouba o relógio, devolvendo-lhe depois. Quincas Borba, filósofo doido, apresenta ao amigo o Humanitismo.

Perseguindo a celebridade ou procurando uma vida menos tediosa, Brás Cubas torna-se deputado, enquanto Lobo Neves é nomeado presidente de uma província e parte com Virgília para o Norte, porquanto que termina a relação dos amantes. Sabina arranja uma noiva para Brás Cubas, a Nhã-Loló, sobrinha de Cotrim, de 19 anos, mas ela morre de febre amarela e Brás Cubas torna-se definitivamente um solteirão. Tenta ser ministro de estado mas fracassa; funda um jornal de oposição e fracassa. Quincas Borba dá os primeiros sinais de demência. Virgília, já velha e desfigurada em sua beleza, solicita a ele o amparo à indigência de Dona Plácida, que morre em seguida. Morrem também Lobo Neves, Marcela e Quincas Borba. Eugênia é encontrada num cortiço. A última tentativa de glória, portanto, é o "emplasto Brás Cubas", remédio que curaria todas as doenças; ironicamente, numa de suas saídas à rua para cuidar de seu projeto, molha-se na chuva e apanha uma pneumonia, da qual vem a falecer, aos 64 anos. Virgília, acompanhada do filho, vai visitá-lo na cama e, após longo delírio, morre assistido por alguns familiares. Depois de morto, começa a contar, de trás para frente, a história de sua vida e escreve assim as últimas linhas do capítulo derradeiro:

Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Capítulo CLX[6]


Crítica

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Gênero

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"Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que há tanto me fui a outras e diferente páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. E claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo."

—Apresentação de Machado de Assis a uma reedição de Helena.[7]

A crítica considera Memórias Póstumas de Brás Cubas o romance que introduziu o Realismo na literatura brasileira.[8][9] De fato, ao lado de outras obras como Ocidentais (1882), Histórias sem Data (1884), Várias Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1899), e Relíquias da Casa Velha (1906), este livro foi também um divizor de águas na própria obra de Machado de Assis,[10] algo que ele mesmo pressupunha como lemos no trecho ao lado numa reedição tardia de Helena.

O gênero é realista por criticar com ironia e pessimismo as condições da época, no entanto não está isento de resíduos românticos presentes nos romances, nas paixões e nos amores de Brás Cubas,[11] ainda que o sonho de relações e casamentos perfeitos e a tensão bem x mal, herói x vilão—situações tão convencionais à ficção romanesca—não exista e as personagens ajam calculadamente por interesse na obtenção de "status", na ascensão social através do casamento.[12] O fato do narrador tentar relatar suas memórias e recriar o passado faz com que o romance também se enquadre em certos elementos do romance impressionista.[12] E mesmo assim, Machado não compactua com o esquematismo determinista dos realistas, nem procura causas muito explícitas ou claras para a explicação das personagens e situações.[13]

Dois outros fatores de gênero significativos em Memórias Póstumas são as antecipações modernas da obra—a estrutura fragmentária não-linear, o gosto pelo elíptico e alusivo e a postura metalinguística de quem escreve e se vê escrevendo (Brás Cubas no início declara explicitamente basear-se em Laurence Sterne).[12] Outro elemento é a fantasia encontrado em duas situações: Brás Cubas, mesmo morto e enterrado, ainda assim escreve sua autobiografia e, no Capítulo VII, tem um delírio em que viaja montado num hipopótamo e encontra-se com Pandora.[14] De fato, certos autores referem-se a esta obra como "a primeira narrativa fantástica do Brasil".[1] O caráter fantástico e realista, cômico e sério, e que também mistura cartas e novelas a uma trama global, além de não haver nenhum enobrecimento dos personagens e de suas ações, deu margem a José Guilherme Merquior escrever que o verdadeiro gênero de Metamorfoses de Brás Cubas seria o cômico-fantástico, também conhecido como literatura menipéia.[15]

Estilo

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"A frase machadiana é simples, sem enfeites e os períodos em geral são curtos, as palavras muito bem escolhidas e não há vocabulário difícil [...], mas com esses recursos limitados Machado consegue um estilo de extraordinária expressividade, com um fraseado de agilidade incomparável."

—Francisco Achcar.[16]

Memórias Póstumas de Brás Cubas marca um momento no cenário literário nacional em que Machado de Assis rompe com duas tendências literárias dominantes de seu tempo: a dos realistas que seguiam a teoria de Flaubert, do "romance que narra a si próprio" e que apaga o narrador atrás da objetividade da narrativa; e a dos naturalistas que, na esteira de Zola, pregavam o "inventário maciço da realidade", observada nos menores detalhes.[17] Ao invés disso, Machado de Assis constrói um livro em que cultiva o incompleto, o fragmentário, intervindo na narrativa para conversar diretamente com o leitor e comentar o próprio romance e suas personagens e fatos.[17]

Tornou-se comum atribuir à leitura do livro um caráter de diversão e prazer por detrás de sua perspectiva desencantada.[1] Entre seus traços, destacam-se os do universalismo, psicologismo, de arquétipos e o uso de um estilo "enxuto" por primar "pelo equilíbrio, pela disciplina clássica, pela correção gramatical e pela concisão, pela economia vocabular".[18] Assim, Machado seria sóbrio e parcimonioso, ao contrário de Castro Alves, José de Alencar e Rui Barbosa que abusariam imoderamente do adjetivo e do advérbio.[18] De fato, Francisco Achcar escreve que o livro é sem vocabulário difícil e que "alguma dificuldade que pode ter um leitor de hoje se deve ao fato de que certas palavras caíram em desuso".[19] A linguagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas, contudo, não é simétrica e mecânica, mas possui um ritmo.[18]

O livro é permeado por intertextualidade e ironias. O segundo recurso logo nota-se na "Dedicatória" de Brás Cubas ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver. A ironia é vista como uma forma de "revolta pela vida" usada por Machado para fazer rir, quando como por exemplo Brás Cubas escreve: a sabedoria humana não vale um par de botas curtas [...] Tu, minha Eugênia, é que não as descalçaste nunca à personagem que era coxa de nascença, num célebre exemplo de humor negro.[20] O primeiro recurso, por sua vez, refere-se às referências machadianas aos estilos de outros grandes autores do Ocidente: "Na maioria dos casos, essas referências são implícitas, só podem ser percebidas por leitores familiarizados com as grandes obras da literatura."[21] Brás Cubas, por exemplo, refere-se no início do livro à Xavier de Maistre e depois a obras como a Suma Teológica.[22] Por conta disso os críticos notam que o estilo machadiano é "culto" por "fazer uso da cultura e sua compreensão aprofundada exige cultura da parte do leitor."[23]

Temática e interpretação

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"Há na alma deste livro, por mais risonho que pareça, um sentimento amargo e áspero, que está longe de vir dos seus modelos. É taça que pode ter lavores de igual escola, mas leva outro vinho. Não digo mais para não entrar na crítica de um defunto, que se pintou a si e a outros, conforme lhe pareceu melhor e mais certo."

Machado de Assis, 1899, no prólogo da 4ª edição.[24]

Entre as diversas interpretações que se faz do livro, destaca-se a sociológica. Sob esse parâmetro, Memórias Póstumas é um livro sobre seu tempo e costumes. Os críticos que analisam as características sociais da trama, destaque principal para Roberto Schwarz e Alfredo Bosi, notam a volubilidade do narrador da elite e analisam uns e outros personagens de acordo com a sua posição social,[25] além de centrarem-se no contexto ideológico do Segundo Império.[26] Entre as óticas sociológicas sobre o livro destaca-se a análise de Brás Cubas, homem de família abastada que desde a infância era mimado e que, contudo, seria uma personagem "beneficiária arrogante ainda que também humilhada da situação propiciada pela escravidão e pelas enormes desigualdades sociais."[27] Assim, o livro é visto como uma obra que assume o "ponto de vista da melancolia, da ruína e da morte ante a situação, rindo de quase tudo e ridicularizando também os dramas dessas frações beneficiárias, que, contudo, aparecem como comédia ou ópera-bufa."[27] O contexto, as datas, a ambientação são de fundamental importância para estes críticos.[28] Os críticos sociológicos também acreditam que o fato do protagonista estar morto o faz narrar sua vida com "total isenção" e inteiramente "desvinculado de qualquer relação com a sociedade" e, neste descomprometimento propiciado pela morte, ele possui o poder de dizer, falar, zombar e criticar quem e o que quiser.[29]

 
Pelourinho por Jean-Baptiste Debret, retrata a escravidão no Segundo Império.

Outros críticos que também se atém na temática da morte são os preocupados com interpretações cognitivas, existenciais ou psicológicas, que centram-se na figura do humorista melancólico e no discurso de um homem subterrâneo, solitário e muito reflexivo.[26] Isso não quer dizer que muitas vezes uma interpretação englobe outras. Numa análise sócio-psicológica, por exemplo, críticos têm citado a cena em que Prudêncio, o moleque negro que na infância de Brás Cubas era usado como cavalo de montar por ele, quando fica mais velho e ganha a liberdade, compra um escravo para si próprio—cena que é considerada uma das páginas de ficção mais perturbadoras já escritas sobre a psicologia do escravismo.[30] Assim, estudam também o papel de escravos e homens livres oprimidos na obra—como Eugênia e Dona Plácida, que são brancas e livres mas não deixam de ser humilhadas e ingenuamente dominadas.[31]

A crítica literária não deixa de analisar o caráter filosófico do romance, com o seu Humanitismo e vê que o sarcasmo de Brás Cubas, diante do cientificismo propiciado por Darwin e que no Brasil de 1880 ainda se "dava por coveiro da filosofia", reabre a interrogação metafísica e a perplexidade radical ante o ser humano.[32] Assim, um dos temas do livro, que concerne essa nova filosofia inventada pelo autor, é o de que o homem é sujeito à natureza e seus caprichos e não "soberano invulnerável da criação."[32] Por outro lado, vasculhando outros temas, críticos psicanalistas têm notado as cenas de nervoso na obra e não separam a relação que elas tem com a própria saúde do autor, que se acredita ter sido epiléptico, embora não gostasse de tornar isso público, o que o teria feito omitir a palavra "epilepsia" de uma das edições ulteriores do livro, mas que deixaria escapar na edição primeira ao descrever o padecimento da personagem Virgília diante da morte de Brás Cubas: Não digo que se carpisse; não digo que se deixasse rolar pelo chão, epiléptica..., que fora substituída por: Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa...[33][34] As interpretações sobre a obra foram sendo adquiridas e apresentadas por críticos diferentes ao longo do tempo; Alfredo Bosi escreveu que nenhuma interpretação sozinha, no entanto, seria suficiente para "compreender a densidade do olhar machadiano".[26]

Influências literárias

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Laurence Sterne, por Joshua Reynolds, 1760.

Os escritores Laurence Sterne, Xavier de Maistre e Almeida Garret constituem a gama de autores que mais influenciaram esta obra, sobretudo os capítulos 55 e 139 pontilhados, ou os capítulos-relâmpago (como 102,107,132 ou 136) e o garrancho da assinatura de Virgília no capítulo 142 das Memórias Póstumas de Brás Cubas.[35] Quando Brás Cubas diz que adotou a "forma livre" de Sterne, está explicitando que Machado de Assis foi influenciado pela narrativa digressiva da obra Tristram Shandy.[36] Gerard Gennete, por exemplo, escreve que da mesma forma que Virgílio contou a estória de Enéias à forma de Homero, Machado contou a estória de Brás à forma de Sterne.[37] José Guilherme Merquior acrescenta ao fato de que a Memórias, contudo, possui uma fantasia não presente em Sterne e um "humorismo sardônico" oposto ao humorismo "simpático" e "sentimental" de Tristam Shandy, e que as obras Viagem à Roda do Meu Quarto (1795), e Viagens na Minha Terra (1846) foram as outras leituras pretéritas e decisivas para a elaboração de Memórias.[38] Merquior também cita outras possíveis influências, como Luciano de Samósata, Fontenelle (especialmente seu Dialogues des Morts, 1683), Fénélon e o Operrete Morali (1826) de Leopardi, que fariam Memórias Póstumas se aproximar do gênero cômico-fantástico, também conhecido como literatura menipéia.[15]

 
Arthur Schopenhauer.

O livro está permeado de influências filosóficas e alguns o consideram o mais filosófico da obra machadiana.[39] O Essais (1580) de Montaigne foram importantes na formação de Machado por apresentarem a ele o "homem diante das coisas", despertando a repulsa de Machado de Assis à increpação de materialismo.[40] Os estudiosos também não deixam de citar Schopenhauer como a principal influência filosófica de Memórias Póstumas.[36] Nele Machado teria encontrado visões do pessimismo e ainda desdobrado sua escrita em mitos e metáforas acerca de uma "inexorabilidade do destino".[41] Raimundo Faoro, sobre a obra do filósofo alemão na obra de Machado, argumentou que o autor brasileiro havia realizado uma "tradução machadiana da vontade de Schopenhauer" e que logrou conceber seu primeiro romance após "haver descoberto o fundamento metafísico do mundo, o demonismo da vontade que guia, sem meta nem destino, todas as coisas e os fantoches de carne e sangue."[42] Estudiosos notam que Machado de Assis conseguiu utilizar os elementos filosóficos de Schopenhauer em Memórias Póstumas de uma forma muito profunda.[43] Segundo este filósofo, o universo é a vontade, cega, obscura e irracional de viver e a lei do real não é nenhum logos harmonioso, mas sim um conflitivo querer, fatalmente doloroso, porque necessariamente insatisfeito; "por isso, a dor é a essência das coisas, e só no ideal de renúncia aos desejos e pode colher alguma felicidade."[44] Então, O mundo como vontade e representação (1819), para alguns, encontra seu cume alto em Machado de Assis com os desejos frustrados do personagem Brás Cubas.[45]

Influência, diálogos e posterioridade

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Memórias Póstumas de Brás Cubas influenciou decisivamente os escritores John Barth e Donald Barthelme, que inclusive reconheceram a influência.[46][47] A Ópera Flutuante, primeiro livro escrito pelo primeiro dos dois, foi influenciado pela técnica de "jogar livremente com as idéias" de Tristram Shandy e de Memórias Póstumas.[48]

Por sua vez, o romance O amanuense Belmiro, de Ciro dos Anjos, tem sido freqüentemente relacionado pela crítica com Memorial de Aires e Memórias Póstumas.[49] Como escreve um dos críticos, O amanuense é "destinado ao registro de impressões autobiográficas de um obscuro funcionário estadual [...] possuindo muitas passagens que lembram as meditações irônicas e pessimistas de Brás Cubas."[50] Ciro via Machado de Assis como seu mestre literário e sua obra é toda permeada pela tentativa de alcançar o estilo dele.[51]

Os estudiosos também traçam diálogos entre este livro e outros da literatura nacional, como Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa, que retoma a "viagem de memória" presente também em Dom Casmurro, além de seus textos descreverem doenças mentais como os de Machado;[52] e Memórias Sentimentais de João Miramar (1924), de Oswald de Andrade, obra capital do modernismo no Brasil, que é identificado como uma "homenagem" às memórias de Brás Cubas.[1]

Em se tratando ao próprio conjunto de obras do autor, Memórias Póstumas marcou para sempre a escrita de Machado de Assis e propiciou novos significados e estilos e uma temática amadurecida em diversos contos e mais outros quatro romances prestigiados, todos, como as Memórias, compostos em capítulos curtos, todos (a exceção de Quincas Borba) narrados em primeira pessoa e substancialmente ambíguos e ricos em relação a elementos básicos da história.[1]

Recepção

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Página da revista A Estação, 1884.

Com a publicação do livro, poucos amigos ou colegas noticiaram o volume, publicados na Gazetinha e na Revista Ilustrada, embora ele tenha recebido relativa fama.[1] No entanto, como comparação, no mesmo ano de 1881, O Mulato, de Aluísio de Azevedo, era publicado e provocou polêmica, merecendo mais de duzentos comentários e resenhas por todo o país, contudo sua legilidade era de outra natureza.[53] O caráter inovador do livro machadiano fez estranhar a crítica da época. Em 2 de fevereiro de 1881 um crítico assinando sob o pseudônimo de "U.D.", em que acredita ter sido Urbano Duarte de Oliveira, escreveu que a obra de Machado era falsa, deficiente, sem nitidez, e sem colorido:[54][55]

"É um livro de filosofia mundana, sob a forma de romance. Para romance falta-lhe o entrecho e o leitor vulgar pouco pasto achará para sua imaginação e curiosidade banais. [...] Há no correr da obra, percepções singulares, conceitos de grrande agudeza, certa veia cômica que faz rir para não fazer chorar, e umas tantas tendências naturalistas assaz atenuadas pela polidez natural do autor. Em suma, a nossa impressão final é a seguinte: a obra do sr. Machado de Assis é deficiente, senão falsa, no fundo, porque não enfrenta com o verdadeiro problema que se propôs a resolver e só filosofou sobre caracteres de uma vulgaridade perfeita; é deficiente na forma, porque não há nitidez, não há desenho, mas bosquejos, não há colorido, mas pinceladas ao acaso."[55]

Capistrano de Abreu, em resenha de sua autoria, perguntava-se: "As Memórias Póstumas de Brás Cubas serão um romance?"[56] E continua:

"O romance aqui é simples acidente. O que é fundamental e orgânico é a descrição dos costumes, a filosofia social que está implícita. [...] Segundo esta filosofia, nada existe de absoluto. O bem não existe; o mal não existe; a virtude é uma burla; o vício é um palavrão. [...] Filosofia triste, não é? O autor é o primeiro a reconhecê-lo, e por isso põe-na nas elocubrações de um defunto, que nada tendo a perder, nada tendo a ganhar, pode despejar até às fezes tudo quanto se contém nas suas recordações."[53]

Macedo Soares escreveu uma carta amigável a Machado notando a analogia do livro com Viagens na Minha Terra de Garret. Em 1899, Machado de Assis respondeu aos comentários de Capistrano e Macedo no prólogo da 4ª edição do livro, escrevendo: "Ao primeiro respondia já o defunto Brás Cubas (como o leitor viu e verá no prólogo que vai adiante) que sim e que não, que era romance para uns e não o era para outros. Quanto ao segundo, assim se explicou o finado: 'Trata-se de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo.' Toda essa gente viajou: Xavier de Maistre à roda do quarto, Garret na terra dele, Sterne na terra dos outros. De Brás Cubas, se pode talvez dizer que viajou à roda da vida."[24]

Um outro crítico, assinando sob o pseudônimo de Abdiel, em 28 de fevereiro escrevia:

"[...] é opinião minha, repito, que este extraordinário romance de Brás Cubas não tem correspondente nas literaturas de ambos os países de língua portuguesa e traz impressa a garra potente e delicadíssima do Mestre. [...] É soberano, límpido, musical, colorido, grave, terno, brincalhão, conceituoso, magistral, o estilo deste livro notável que se tem publicado em literatura amena depois da morte de José de Alencar."[57]

Publicações

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Edições

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Publicado a princípio "aos pedaços",[24] como escreve o próprio Machado, ou seja, em folhetim, pela Revista Brasileira de março à dezembro de 1880 até ser editado definitivamente em 1881 pela Tipografia Nacional, cerca de três mil a quatro mil exemplares foram impressos à época, sem contar os da revista.[58]

De acordo com o próprio Machado, à época da 4ª edição do livro, o volume publicado não recebeu grandes modificações ou retificações. Os fragmentos publicados na Revista Brasileira foram corrigidos em vários lugares pelo autor. Quando teve que o rever para a terceira edição, "emendei alguma coisa e suprimi duas ou três dúzias de linhas. Assim composto, sai novamente à luz esta obra que alguma benevolência parece ter encontrado no público", escreveu ele.[24]

Em outras línguas

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O romance tem sido traduzido para outras línguas desde sua primeira publicação em português (Fonte: Itaú Cultural):[59]

Ano Língua Título Tradutor(es) Editora
1911
1948
2005
Francês Mémoires Posthumes de Braz Cubas
Mémoires d'Outre-tombe de Braz Cubas
Mémoires d'Outre-tombe de Braz Cubas
Adrien Delpec
Chadebec de Lavalade
Chadebec de Lavalade
Paris: Livraria Garnier
Paris: Rd. Émile-Paul frères
Paris: Métailié
1919
1953
Italiano Memoire Postume di Braz Cubas
Memoire dall'Aldilá
Giuseppe Alpi
Laura Marchiori
Lanciano
Milão: Rizzoli
1940
2003
Espanhol Memórias Póstumas de Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Francisco José Bolla
José Ángel Cilleruelo
Buenos Aires: Club del Libro
Madrid: Alianza Editorial
s/d
1953
1997
2002
Inglês Epitaph of a Small Winner
Epitaph of a Small Winner
Epitaph of a Small Winner
The Posthumous Memoirs of Bras Cubas
William L. Grossman
William L. Grossman
Trafalgar Square
Gregory Rabassa
Nova Iorque: Noonday
Londres: W.H. Allen
Londres: Trafalgar Square
Oxford: Oxford University Press
1956 Dinamarquês En Vraten Herres Betragtninger Erick Bach-Pedersen Copenhagen: E. Wangels
1957 Servo-croata Posmrtni Zapisi Brasa Cubasa Josip Tabak Sarajevo: Narodna Prosvjeta
1957
1985
1987
Portugal Memórias Póstumas de Brás Cubas s/t Lisboa: Bertrand
Porto: Lello & Irmão
Lisboa: Dinalivro
1967
1979
2003
Alemão Postume Erinnerungen des Bras Cubas
Postume Erinnerungen des Bras Cubas
Die Nachtraglichen Memoiren des Bras Cubas
Erhard Engler
Erhard Engler
Wolfang Kayser
Berlim: Rutten & loening
Frankfurt: Suhrkamp
Zurique: Manesse Verlag
1986 Romeno Memoriile Postume ale lui Brás Cubas A editora Bucuresti: Minerva, Bucuresti
1996 Tcheco Posmrtné Paměti Bráse Cubase Sárka Grauová Praga: Torst
s/d Holandês Laat Commentaar van Bras Cubas A. Mastenbroek jr Bussum G.J. A

Adaptações

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A obra já teve três versões cinematográficas. A primeira, rodada em modo completamente experimental, dirigida por Fernando Cony Campos em 1967, chamava-se Viagem ao Fim do Mundo. A segunda, em 1985, já apresenta um caráter estético mais ousado e foi filmada por Julio Bressane, com Luiz Fernando Guimarães no papel de Brás Cubas. E em 2001, surgiu uma nova produção: essa terceira versão, Memórias Póstumas, foi mais fiel à obra, tendo sido dirigida por André Klotzel, com Reginaldo Faria atuando como Brás Cubas após os 60 anos até ser defunto e Petrônio Gontijo sendo Brás Cubas na sua juventude.

http://books.google.com.br/books?id=JGUDeM3n6gYC&pg=PA202&dq=Mem%C3%B3rias+P%C3%B3stumas+de+Br%C3%A1s+Cubas+social&hl=pt-BR&ei=i830TNyoCISglAf7-NWNBg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CD4Q6AEwBA

Ver também

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Referências

  1. a b c d e f Achcar, 1999, p.12.
  2. Memórias Póstumas/XIV
  3. Memórias Póstumas/XVII
  4. Memórias Póstumas/XX
  5. Memórias Póstumas/XXXII
  6. Os Livros da Fuvest, p.86
  7. Apud Terra e Nicola, 2006, p.422.
  8. Faraco e Moura, 2009, p.234.
  9. Terra e Nicola, 2006, p.418-422.
  10. Milhomem, 2007, p.16 e seguintes.
  11. Andrade, 2001, p.79-80.
  12. a b c Andrade, 2001, p.80.
  13. Achcar, 1999, p.X.
  14. Andrade, 2001, p.97.
  15. a b José Guilherme Merquior, "Gênero e estilo das Metamorfoses de Brás Cubas", revista Colóquio, nº 8, Lisboa.
    Apud Andrade, 2001, p.114.
  16. Achcar, 1999, pág.X
  17. a b Andrade, 2001, p.80-81.
  18. a b c Andrade, 2001, p.87.
  19. Achcar, 1999, p.XI.
  20. Andrade, 2001, p.86.
  21. Achcar, 1999, p.XII.
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Bibliografia

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Ligações externas

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