Flores do Mal/D João nos Infernos

XV

D. João nos Infernos


Quando D. João baixou ao pélago sombrio,
E pagou a Caronte o óbulo supremo,
Um mendigo soez, de olhar sereno e frio,
Com pulso rijo e forte agarrou cada remo.

Mostrando os peitos nus, as túnicas rasgadas,
Creaturas feminis, convulsas, flagelantes,
Como um longo cordão de ovelhas imoladas,
Seguiam atrás d’êle, em chôro, soluçantes.

Esganarelo, a rir, pediu lhe o seu dinheiro,
Ao passo que D. Luis, com a trémula mão,
Mostrava, a toda a grei d’aquele cativeiro,
O filho que zombou das cans do ancião

A casta e magra Elvira, a tremer no seu luto,
Junto do esposo infiel, amante d’una hora,
Par’cia-lhe pedir, — derradeiro tributo,
A evocação ideal dos sorrisos de outrora..

Governava o timão da barca celebrada
Um gigante de bélica armadura;
Mas o discreto heroe, curvado sobre a espada,
Alheio a tudo o mais, só via a singradura!

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