Memórias Póstumas de Brás Cubas

romance de Machado de Assis

Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance do escritor brasileiro Machado de Assis, considerado divisor de águas em sua carreira. O livro costuma ser associado à introdução do Realismo no Brasil. É narrado em primeira pessoa pela personagem Brás Cubas, que em tom irônico e sarcástico, descreve sua biografia.


  • "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas."
- Dedicatória; veja (wikisource)
  • "Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco."
- Capítulo primeiro; veja (wikisource)
  • "A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra e lodo, e coisa nenhuma."
- Capítulo primeiro; veja (wikisource)
  • "(...) o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseqüentemente, a sua mais genuína feição."
- Capítulo II; veja (wikisource)
  • "Deus te livre, leitor, de uma idéia fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho."
- Capítulo IV; veja (wikisource)
  • "Todavia, importa dizer que este livro é escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem regala, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado."
- Capítulo IV; veja (wikisource)
  • "Creiam-me, o menos mau é recordar; ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota da baba de Caim."
- Capítulo VI; veja (wikisource)
  • "Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo agradecerá."
- Capítulo VII; veja (wikisource)
  • "Dissera-se que a vida das coisas ficara estúpida diante do homem."
- Capítulo VII; veja (wikisource)
  • "Não te assustes, disse ela, minha inimizade não mata; é sobretudo pela vida que se afirma. Vives: não quero outro flagelo."
- Capítulo VII; veja (wikisource)
  • "Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem."
- Capítulo VII; veja (wikisource)
  • "Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário."
- Capítulo VII; veja (wikisource)
  • "Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelada e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, - nada menos que a quimera da felicidade, - ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão."
- Capítulo VII; veja (wikisource)
  • "Meu olhar, enfarado e distraído, viu enfim chegar o século presente, e atrás deles os futuros. Aquele vinha ágil, destro, vibrante! cheio de si, um pouco difuso, audaz, sabedor, mas ao cabo tão miserável como os primeiros, e assim passou e assim passaram os outros com a mesma rapidez e igual monotonia."
- Capítulo VII; veja (wikisource)
  • "Nunca mais deixei de pensar comigo que o nosso espadim é sempre maior do que a espada de Napoleão."
- Capítulo XII; veja (wikisource)
  • "Os olhos, vivos e resolutos, eram a minha feição verdadeiramente máscula. Como ostentasse certa arrogância, não se distinguia bem se era uma criança, com fumos de homem, se um homem com ares de menino."
- Capítulo XIV; veja (wikisource)
  • "Bons joalheiros, que seria do amor se não fossem os vossos dixes e fiados?"
- Capítulo XVI; veja (wikisource)
  • "(...) Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos réis; nada menos."
- Capítulo XVII; veja (wikisource)
  • "Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo."
- Capítulo XXIV; veja (wikisource)
  • "Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes."
- Capítulo XVII; veja (wikisource)
  • "(...)Fiquei só; mas a musa do capitão varrera-me do espírito os pensamentos maus; preferi dormir, que é o modo interino de morrer."
- Capítulo XIX; veja (wikisource)
  • "Daqui inferi eu que a vida é o mais engenhoso dos fenômenos, porque só aguça a fome, com o fim de deparar a ocasião de comer, e não inventou os calos, senão porque eles aperfeiçoam a felicidade terrestre. Em verdade vos digo que toda a sabedoria humana não vale um par de botas curtas."
- Capítulo XXXVI; veja (wikisource)
  • "O lábio do homem não é como a pata do cavalo de Átila, que esterilizava o solo em que batia; é justamente o contrário."
- Capítulo XLIII; veja (wikisource)
  • "Cada homem tem necessidade e poder de contemplar o seu próprio nariz, para o fim de ver a luz celeste, e tal contemplação, cujo efeito é a subordinação do universo a um nariz somente, constitui o equilíbrio das sociedades."
- Capítulo XLIX; veja (wikisource)
  • "A conclusão, portanto, é que há duas forças capitais: o amor, que multiplica a espécie, e o nariz, que a subordina ao indivíduo. Procriação, equilíbrio."
- Capítulo XLIX; veja (wikisource)
  • "Assim eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência."
- Capítulo LI;veja (wikisource)
  • "Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre."
- Capítulo LIV; veja (wikisource)
  • "Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada.
Ouvi as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tique -taque soturno, vagaroso e seco, parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte, e a contá-las assim:
- Outra de menos...
- Outra de menos...
- Outra de menos...
- Outra de menos...
O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo; o derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre."
- Capítulo LIV; veja (wikisource)
  • "Não há amor possível sem a oportunidade dos sujeitos."
- Capítulo LVI; veja (wikisource)
  • "Tinha o aspecto das naturezas cálidas, e podia-se dizer, que, na realidade, resumia todo o amor. Resumia-o sobretudo naquela ocasião, em que exprimia mudamente tudo quanto pode dizer a pupila humana."
- Capítulo LXIII; veja (wikisource)
  • "Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar..."
- Capítulo LXXI; veja (wikisource)
  • "- Assim, pois, o sacristão da Sé, um dia, ajudando à missa, viu entrar a dama, que devia ser sua colaboradora na vida de Dona Plácida. Viu-a outros dias, durante semanas inteiras, gostou, disse-lhe alguma graça, pisou-lhe o pé, ao acender os altares, nos dias de festa. Ela gostou dele, acercaram-se, amaram-se. Dessa conjunção de luxúrias vadias brotou Dona Plácida. E de crer que Dona Plácida não falasse ainda quando nasceu, mas se falasse podia dizer aos autores de seus dias: - Aqui estou. Para que me chamastes? E o sacristão e a sacristia naturalmente lhe responderiam: - Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado para outro, na faina, adoecendo e sarando, com o fim de tornar a adoecer e sarar outra vez, triste agora, logo desesperada, amanhã resignada, mas sempre com as mãos no tacho e os olhos na costura, até acabar um dia na lama ou no hospital; foi para isso que te chamamos, num momento de simpatia."
- Capítulo LXXV; veja (wikisource)
  • "A nudez habitual, dada a multiplicação das obras e dos cuidados do indivíduo, tenderia a embotar os sentidos e a retardar os sexos, ao passo que o vestuário, negaceando a natureza, aguça e atrai as vontades, ativa-as, reprodu-las, e conseguintemente faz andar a civilização."
- Capítulo XCVIII; veja (wikisource)
  • "Vulgar coisa é ir considerar no ermo. O voluptuoso, o esquisito, é insular-se o homem no meio de um mar de gestos e palavras, de nervos e paixões, decretar-se alheado, inacessível, ausente."
- Capítulo XCIX; veja (wikisource)
  • "Leitor ignaro, se não guardas as cartas da juventude, não conhecerás um dia a filosofia das folhas velhas, não gostarás o prazer de ver-te, ao longe, na penumbra, com um chapéu de três bicos, botas de sete léguas e longas barbas assírias, a bailar ao som de uma gaita anacreôntica. Guarda as tuas cartas da juventude!"
- Capítulo CXVI; veja (wikisource)
  • "Como a vida é o maior benefício do universo, e não há mendigo que não prefira a miséria à morte, segue-se que a transmissão da vida, longe de ser uma ocasião de galanteio, é a hora suprema da missa espiritual."
- Capítulo CXVII; veja (wikisource)
  • "Se entendeste bem, facilmente compreenderás que a inveja não é senão uma admiração que luta, e sendo a luta a grande função do gênero humano, todos os sentimentos belicosos são os mais adequados à sua felicidade. Daí vem que a inveja é uma virtude."
- Capítulo CXVII; veja (wikisource)
  • "Suporta-se com paciência a cólica do próximo. Matamos o tempo; o tempo nos enterra. Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros."
- Capítulo CXIX; veja (wikisource)
  • "Saiba que na política o celibato é uma remora."
- Capítulo CXXIII; veja (wikisource)
  • "Que há entre a vida e a morte? Uma curta ponte."
- Capítulo CXXIV; veja (wikisource)
  • "Trata de saborear a vida; e fica sabendo, que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la."
- Capítulo CXXXVII; veja (wikisource)
  • "Minto: amanheceu morta; saiu da vida às escondidas, tal qual entrara. Outra vez perguntei, a mim mesmo, como no capítulo 75, se era para isto que o sacristão da Sé e a doceira trouxeram Dona Plácida à luz, num momento de simpatia específica. Mas adverti logo que, se não fosse Dona Plácida, talvez os meus amores com Virgília tivessem sido interrompidos, ou imediatamente quebrados, em plena efervescência; tal foi, portanto, a utilidade da vida de Dona Plácida. Utilidade relativa, convenho; mas que diacho há absoluto nesse mundo?"
- Capítulo CXLIV; veja (wikisource)
  • "Estou longe de rejeitar essa observação de Erasmo; mas direi o que ele não disse, a saber, que se um dos burros coçar melhor o outro, esse há de ter nos olhos algum indício especial de satisfação."
- Capítulo CXLIX; veja (wikisource)
  • "Nem o remorso é outra coisa mais do que o trejeito de uma consciência que se vê hedionda."
- Capítulo CXLIX; veja (wikisource)
  • "E, aliás, gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos."
- Capítulo CLI; veja (wikisource)
  • "O acaso determinou o contrário; e aí vos ficais eternamente hipocondríacos. Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que sai quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."
- Capítulo CLX; veja (wikisource)

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